Tu? Eu?Não
morres satisfeito.
A vida te viveu
sem que vivesses nela.
E não te convenceu
nem deu motivo
para haver o ser vivo.
A vida te venceu
em luta desigual.
Era todo o passado
presente presidente
na polpa do futuro
acuando-te no beco.
Se
morres derrotado,
não
morres conformado.
Nem
morres informado
dos termos da sentença
de tua
morte, lida
antes de redigida.
Deram-te um defensor
cego surdo estrangeiro
que ora metia medo
ora extorquia amor.
Nem sabes se és culpado
de não ter culpa. Sabes
que
morres todo o tempo
no ensaiar errado
que vai a cada instante
desensinando a
mortequanto mais a soletras,
sem que nascido, mores
onde, vivendo,
morres.
Não
morres satisfeito
de trocar tua
mortepor outra mais (?) perfeita.
Não aceitas teu fim
como aceitaste os muitos
fins em volta de ti.
Testemunhaste a
morteno privilégio de ouro
de a sentires em vida
através de um aquário.
Eras tu que
morriasnesse, naquela; e vias
teu ser evaporado
fugir à percepção.
Estranho vivo, ausente
na suposta consciência
de imperador cativo.
Foste
morrendo só
como sobremorrente
no lodoso telhado
(era prêmio, castigo?)
de onde a vista captava
o que era abraço e não
durava ou se perdia
em guerra de extermínio,
horror de lado a lado.
E tudo foi a caça
veloz fugindo ao tiro
e o tiro se perdendo
em outra caça ou planta
ou barro, arame, gruta.
E a procura do tiro
e do atirador
(nem sequer tinha mãos),
a procura, a procura
da razão da procura.
Não
morres satisfeito,
morres desinformado.
Carlos Drummond de Andrade
Um comentário:
Drummond é o cara!! *___*
;**
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